Álvaro Lobato de Faria - Arte e Saúde Mental

Álvaro Lobato de Faria – Arte e Saúde Mental (Parte I)
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27 de abril, 2017 0 Por Álvaro Lobato de Faria
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Também o tempo torna tudo relativo.

Este artigo foi inicialmente publicado há mais de 5 anos - o que em 'tempo Internet' é muito. Pode estar desatualizado e pode ter incongruências estéticas. Se for o caso, aceita as nossas desculpas.

Palestra apresentada no âmbito da inauguração da exposição: Arte e Saúde Mental

Curador: Dr. Álvaro Lobato de Faria

“A defesa e promoção de actividades relacionadas com a utilização de recursos artísticos nos serviços de saúde mental encontra-se, desde longa data, em consonância com uma das directrizes fundacionais do MAC – Movimento Arte Contemporânea, que se traduz na utilização do processo criativo como exercício subjectivo para o encorajamento e construção de novas éticas e estéticas de existência.

Enquanto Director-Coordenador desta instituição de promoção cultural, foi com enorme prazer que abracei este projecto a convite do Dr. Álvaro Andrade de Carvalho, Director do Programa Nacional para a Saúde Mental, que desde já saúdo por mais esta iniciativa que visa, acima de tudo, a “defesa do direito à livre expressão artística”, permitindo-se questionar, e até mesmo romper, com as visões estigmatizadas das pessoas com doença mental, fomentando a sua inclusão e autonomia.”

Parte I

Contrariando o modelo baseado no alienismo e no enclausuramento das pessoas com doença mental, a valorização das competências artísticas dos portadores destas doenças que tem vindo a ser efectuada pelo Programa Nacional para a Saúde Mental, e que envolve a luta e a dedicação de muitos intervenientes, evolui pelo esforço comum de humanizar os tratamentos e pela defesa de um conceito de saúde como direito humano fundamental, que ultrapassa a ideia simplista da ausência de doenças, afirmando-se antes como componente primordial da qualidade de vida, da qual o livre acesso à arte é indissociável.

Numa sociedade que tem a necessidade de criar padrões, todos os que assumem uma configuração de diferença, acabam por se tornar incompreendidos, assustam, ameaçam os valores de “normalidade” instituídos. Este facto, em muito tem contribuído para o isolamento das pessoas com doenças mentais como forma de protecção da restante esfera social. Mas apesar deste medo ampliado, permitam-me afirmar que a arte é esse espaço onde o são e o insano se conjugam, se confundem, se reconciliam, com total liberdade e legitimidade.

A inclusão da arte como terapêutica alternativa no contexto da saúde mental, tem vindo a traçar as linhas de novos e deslizantes territórios, de contornos ainda indefinidos, onde as categorias tradicionalmente utilizadas pelos padrões críticos ou estéticos anteriormente forjados não encontram oportunidade.

A associação entre as perturbações mentais e a produção artística faz parte da história da humanidade, ganhando relevância no final do séxulo XIX e atingindo especial destaque em 1945, data em que o pintor francês Jean Dubuffet realçou esta pureza do impulso artístico através do termo «Arte Bruta», referindo-se à arte pura, natural, versão livre da figuração psicológica que transcende ou ignora a diferença entre as frágeis fronteiras da sanidade e da inconsciência, que pouco ou nada deve à arte convencional e aos clichés culturais, voltada antes para a integridade do ser existencial.

 

Álvaro Lobato de Faria - Arte e Saúde Mental - A&c

Álvaro Lobato de Faria – de A percepção do olhar  Foto ©Rosa Reis

 

Produzida por criadores anónimos, espíritos exilados e arredados dos circuitos artísticos profissionais, logo, livres de qualquer influência de estilos oficiais ou imposições de mercado, a Arte Bruta, mais do que um fim, é um meio, que utiliza as emoções mais profundas como utensílios de trabalho.

Para compreender toda a extensão e complexidade das reflexões e afirmações estéticas que estes artistas propõem, haveria que encontrar e inventar outras categorias e modelos interpretativos, bem como outros horizontes de entendimento crítico, histórico, estético ou sociológico.

Fortalecendo e valorizando a diversidade por via de distintas linguagens e abordagens que visaram a inclusão, a desconstrução de preconceitos, o incentivo à tolerância e o respeito pela diferença, os teóricos da Arte Bruta insistem em defender que aqueles que passam pelo grande sofrimento do rompimento com a realidade, do mergulho sem protecção nos abismos do inconsciente, podem, por meio da expressão artística, buscar o caminho de volta para a superfície, e ainda que ameacem destruir a comunicação comum, possibilitam uma comunicação outra, mais genuína, mais directamente relacionada com as fontes de criatividade do que a arte tradicional conscientemente produzida. Ainda que possa existir um corte de comunicação com o mundo, não existe um corte de comunicação com o outro.

Injustamente ignorada, criada em condições muito particulares de silêncio e solidão, existe então esta arte anónima, inconsciente do seu próprio nome e das suas potencialidades, nomeadamente, da sua espontaneidade e autenticidade expressiva.

Frequentemente denominada de primitiva, virgem ou crua, esta arte reivindica que a liberdade da criação é infinita e assiste por direito a qualquer homem, com ou sem formação específica, detentor ou não de condicionalismos físicos ou psíquicos.

(Continua)

 

Fotografias ©Rosa Reis

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Palestra e texto referente à exposição: Arte e Saúde Mental

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Diretor coordenador do Movimento Arte Contemporânea, professor, faço palestras, conferências, curadorias e crítica de arte em Portugal e no estrangeiro com incidência no mundo lusófono.

Jaime Roriz Advogados Artes & contextos