Mike Mills traz-nos, através desta obra, uma paleta de micro retratos antropológicos de mulheres e suas aspirações, sentido de partilha e expectativas.
Dorothea Fields (uma Annette Bening pujante de autenticidade e pureza) é a protagonista deste filme a da sua própria vida, em que, aos tropeções, vai caminhando corajosamente, levando pela mão Jamie (Lucas Jade Zumann) um filho adolescente que deseja amparar com um abraço terno mas nunca castrador. Pelo contrário, ela estimula o rapaz a descobrir-se dentro de um espaço de liberdade em que o sentido de responsabilidade é posto à prova até ao limite, como na cena vibrante em que ele se expõe a uma praxe escabrosa e potencialmente fatal, apenas para sentir-se parte de um grupo, para ser plenamente aceite numa visão ritualizada da adolescência.
Pressionar o diafragma até à perda de consciência pode ser tão letal como fumar vorazmente, e Dorothea é confrontada com as suas próprias vulnerabilidades enquanto tenta atabalhoadamente oferecer o único colo que tem para dar, numa relação púdica de mãe e filho que se buscam sem nunca verdadeiramente se tocarem. Esta mãe, aqui na casa dos 50, foi uma mulher pioneira nas suas escolhas e criada dentro de um espírito comunitário cultivado no contexto da Grande Depressão; contudo, dir-se-ia que oculta, afinal, uma insuficiente capacidade para lidar com a intimidade, a solidão e a adolescência da qual é testemunha, vinculada a uma cultura geracional que desconhece e que aos poucos tenta aflorar com a ajuda do inquilino sexy com reminiscências da contracultura Hippie.
Estamos em 1979, escassos anos após o término da sangrenta guerra do Vietname, com o democrata Jimmy Carter no poder. Este profere um discurso que é seguido com atenção por Dorothea e a sua entourage e que resume parte das preocupações da época: os EUA são sentidos de forma autocrítica como uma sociedade consumista que se devora a si mesma, em que as pessoas procuram incessantemente uma vida com significado. Não basta possuir coisas para se sentir preenchido, é preciso ir muito mais longe.
O excerto deste discurso emotivo chega a parecer ingénuo e politicamente suicida para muitos, mas Dorothea revê-se nessa postura humanista com a qual se sente em sintonia e que inspira a sua conduta e a sua filosofia.
As mulheres são caracterizadas neste relato como seres fundamentalmente solidários, esperançados e sobretudos dotados de uma grande coragem e aptidão para criar malhas de apoio social, tecer teias de amor e de compreensão. Elas enlaçam a fragilidade dos homens e partilham com eles cromossomas, inseguranças e desejos.
Dorothea, nascida em 1924, teve este filho aos 40 anos, tardiamente, em termos biológicos. Ela conta com a ajuda de duas jovens amigas para conduzir este jovem arisco e reservado à idade adulta, enquanto ele questiona o sentido da felicidade no quadro de uma família monoparental e emocionalmente insuficiente e/ou incompetente.
Uma das raparigas é Abbie (Greta Gerwig) uma talentosa e excêntrica artista punk, de cabelo cereja, que luta com os seus próprios demónios e tenta dividir o seu mundo caótico e criativo com o miúdo franzino, entre acordes básicos de música ruidosamente provocadora e momentos mais intimistas e afetivos; outra é uma amiga de infância, Julie (Elle Fanning) envolvente e espontânea, que lhe explica a sua visão da sexualidade e a perspetiva feminina do amor e do desejo, tão distante das crenças masculinas. O rapaz surpreende-se ao perceber o quão importante pode ser um simples olhar para uma rapariga, um olhar mais íntimo, infinitamente mais eficaz do que a estimulação genital tal como aprendeu nos livros, e procura aí apreender um universo que lhe é estranho.
Há clichés, palavras e comportamentos estereotipados que os homens reproduzem para se aproximarem das mulheres e que, paradoxalmente, os afastam irremediavelmente destas; mas trata-se porventura de uma dolorosa aprendizagem que não aparece demonstrada nos livros práticos.
As mulheres que aqui vemos constroem cenários numa relação: desde as histórias com guião aberto, até ao ambiente, ao partilhar do mesmo sono casto, à dança e à música.
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Mulheres do século XX é uma interessante abordagem do mundo visto pelas mulheres, contemporâneas e ocidentais. Um olhar que atravessa um século e que explica a vida para além do amor, da estupefação e da dúvida e o incrível prodígio de ser mãe, aquém e além da gravidez.
Escrevo crónicas, contos e poesia. Ensaio palavras entre linhas e opino sobre cinema, preferencialmente africano e lusófono. Semeio letras, coleciono sílabas e rumino ideias.
