![De orbe para urbe [numa visão poética de João Baptista Efígie] 1 João Baptista Efígie](https://artesecontextos.pt/wp-content/uploads/2016/12/De-Orbe-para-Urbe.jpg)
De orbe para urbe [numa visão poética de João Baptista Efígie]0 (0)
30 de Dezembro, 2016
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Luisa Fresta
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Também o tempo torna tudo relativo.
Este artigo foi inicialmente publicado há mais de 6 anos - o que em 'tempo Internet' é muito. Pode estar desatualizado e pode ter incongruências estéticas. Se for o caso, aceita as nossas desculpas.
O Natal trouxe-me a obra deste autor, onde todos os caminhos levam à Praia, em Cabo Verde. Ler poesia é também uma estrada que conduz a essa imensa festa de natividade, onde existe um renovar de promessas e de intenções.
João Baptista Efígie é na verdade um dos heterónimos de Domingos Landim de Barros, cronista literário e autor de artigos de opinião na imprensa escrita cabo-verdiana, poeta, jurista e um homem que se adivinha com “mundo”, dentro e fora da imensa teia de palavras com que o descreve. Ele estudou em São Miguel, Praia, Lisboa, Mindelo e Argel, e talvez por isso não seja de estranhar que nos tenha trazido tanto dessas urbes, que tenha absorvido os mais ínfimos detalhes dessas pólis para nos descrever os caminhos e a geografia da qual se alimenta. O orbe de que é feito este que é o seu segundo livro de poesia publicado percorre um universo abrangente que nos traz a Grécia Antiga, a mitologia greco-romana e também egípcia (Tritão, o deus marinho, os gémeos Remo e Rómulo, Minerva, Osíris, Orfeu, Hades, Apolo ou as Sibilas, entre diversas outras figuras e divindades), assim como inúmeros feitos heróicos que marcaram a história universal ao longo dos tempos.
O autor constrói poesia com marcos geográficos e leva-nos a visitar as várias urbes que têm marcado a sua existência e absorvido a sua atenção, nomeadamente Lisboa e Praia, as quais são explicitamente comparadas e quase irmanadas nas suas palavras (“Olhar de semelhança”). A cada passo nos traz o orbe para essas “urbes crioulinas” num vaivém ininterrupto e não nos surpreende que, no final, todos os caminhos levem à Praia, uma das cidades mais destacadas nos seus relatos. As referências à sua terra natal são constantes e emotivas revelando o apego às origens mas também uma imensa abertura e paixão assumida pelos laços que construiu em outras latitudes.
Lisboa é a cidade associada ao prazer, sobretudo a zona do Saldanha, que se desnuda neste livro; aí se leem numerosas referências, frequentemente laudatórias, a muitos dos seus recantos (Picoas Plaza, Saldanha Residence e a Tasca do Careca); atrevemo-nos a intuir que tais coordenadas foram locais de peregrinação frequente do poeta em alguma fase do amadurecimento da sua escrita e da recolha das próprias vivências que viriam a fundamentar as suas escolhas, uma espécie de autorretrato em cores boémias.
“8. Lisboa, à volta de Saldanha
me tem ungido e dado alento(…).
(…) como em amado Picoas Plaza,
no lago, quiçá pátio de pupilo,
ou na vizinha Tasca do Careca(…)”
Coimbra, “a mítica cidade do saber”, é celebrada no poema “Ecos de Coimbra”. Enfim, Praia seria a urbe com a qual o eu lírico teceu uma intimidade maior, e que a todo o instante servirá de padrão para avaliar e sentir as outras cidades.
Portugal e Cabo Verde configuram, ao longo destas páginas, duas pátrias, dois polos que se confundem e se tocam incessantemente, dando ainda espaço a um elogio da lusofonia, claramente revelado no poema intitulado, precisamente, “Em prol da lusofonia”.
Aqui e ali folheamos passagens de uma homenagem mais intimista e discreta a uma figura da sua história pessoal, ou a exaltação do género feminino, mas são na verdade as cidades e a história universal, para além da descrição minuciosa do seu São Miguel, as grandes protagonistas e estrelas da obra que abraça o orbe com braços gigantes. São Miguel é um município da ilha de Santiago, em Cabo Verde, e é muitas vezes aquilembrado através da sua sede, a vila de Calheta, ou de São Miguel Arcanjo. Para além da enumeração da geografia do arquipélago, em geral (Ponta Verde, na ilha do Fogo, por exemplo), existem ainda incontáveis menções à ilha de Santiago, dispersas pelos versos de forma quase topográfica e que permitem desenhá-la no imaginário do leitor, conferindo-lhe textura e intensidade. Desse modo, os nossos olhos sobrevoam Milho Branco e Pilan Can, detêm-se em Achada Monte e na tranquilidade da Praça de Alexandre ou no golfo de Prainha. Uma forma de trazer Cabo Verde para fora do Atlântico e de matar a saudade daqueles para quem a menção de Praia de Santa Maria, do Seminário São José ou a da Companhia Jaime Mota tem um sentido real e representa uma memória efetiva. O poema que fala nos Rabelados (rebelados) de Espinho Branco é particularmente feliz na maneira como dá relevo a uma história invulgar de uma comunidade que decidiu romper com a norma e desenvolver o seu próprio caminho solitário assumindo uma oposição religiosa e social.
![De orbe para urbe [numa visão poética de João Baptista Efígie] 7 Foto do autor](https://artesecontextos.pt/wp-content/uploads/2016/12/João-Baptista-Efígie.jpg)
Foto do autor na badana da capa da obra
Também o mito de Atlântida é retomado com subtileza no texto que traz a lume a teoria da relação direta e dileta entre as ilhas de Cabo Verde e o que restaria dessa ilha ou continente, quando o autor se refere ao jardim das hespérides.
João Batista Efígie revela ainda uma notável consciência cidadã e engajada com a História de Cabo Verde; nesse sentido, a figura mítica de Amílcar Cabral, um dos incontornáveis estadistas de África, não deixa de ser lembrada no seu poemário, tal como os ex-prisioneiros do Tarrafal.
Encontramos ainda uma passagem curiosa que sublinha a atitude deste trabalhador nato perante a própria vida, como uma versão da formiga, um artífice que crava poesia na pedra, com suor e veemência, assim como o pedreiro usa massa, com consistência e solidez; essa suspeita confirma-se pelas suas próprias palavras, num artigo de opinião publicado pela imprensa de Cabo Verde, intitulado “Da infidelidade da palavra”: “(…) O poeta é um ser que luta, que oficia, transpirando. Trabalha, arduamente trabalha, como a formiga, na montagem de sua peça. A cigarra, indolente e temerata como a noite, fica longe a observar.(…)” (Da infidelidade da palavra, Domingos Landim de Barros in A Semana).
Outrossim tropeçamos em alusões ao mundo das leis e à sua ritualização, necessariamente presentes, ainda que “en passant”, no discurso do poeta.
“De volta a Menone”
(…) tirar a minha toga,
no alto de cutelo,
pôr-me livre, suave,
na pele de iniciado (…)
Ajuda-nos a manter viva e disponível a todos esta biblioteca.

[Por fim, permitam-me uma levíssima nota solta sobre a estrutura: neste leque de poemas, em que a cada passo somos laçados por quintilhas e décimas, parece-nos que a predileção do autor recai sobre as setilhas e as oitavas, nas suas estrofes, para cantar o seu país e a humanidade inteira].
O final deste livro traz-nos o poema épico que dá o título à obra.
Escrevo crónicas, contos e poesia. Ensaio palavras entre linhas e opino sobre cinema, preferencialmente africano e lusófono. Semeio letras, coleciono sílabas e rumino ideias.
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Sobre o Autor
Escrevo crónicas, contos e poesia. Ensaio palavras entre linhas e opino sobre cinema, preferencialmente africano e lusófono. Semeio letras, coleciono sílabas e rumino ideias.