A Susana vive nos arredores de Lisboa e tem dois filhos. É comunicativa, determinada e uma mulher de ação. Sonha e não fica por aí, faz projetos e concretiza-os. E é perfecionista. Muitas vezes rodeada de descrédito, confia no seu instinto e avança como se tivesse uma missão. E conta-nos tudo.
Teve sempre o apoio dos pais que lhe facultaram o primeiro atelier. Por volta dos 14 anos sentiu a necessidade de se afirmar em alguma área, e então decidiu ir para a Escola Secundária Artística António Arroio, onde passou por joalharia, artes de fogo, desenho têxtil, artes gráficas, (que chegou a ponderar seguir) e onde conheceu “professores fantásticos” que a ajudaram a afirmar a vontade de continuar na área artística.
Realizou exposições individuais e coletivas por todo o país, em Galerias de Arte e certames e possui trabalhos distribuídos por 11 países. Tem obras no Lisboa Penta Hotel e na Liga dos Combatente de Lisboa e em 2001 foi distinguida com o prémio “Portugal Mais 2000” na categoria de Ceramista do Ano. Ao longo dos anos em marcou ainda presença na FIL, FIARTIL, BTL.
Com um brilho nos olhos afirma que a vida de artista levou-a a conhecer artistas fantásticos, pessoas fantásticas, e a construir grandes amizades, muita admiração e respeito pelas Artes deste mundo.
Artes & contextos – Houve algum professor de desenho que te tenha marcado particularmente e que possa ter a ver com a tua inclinação artística, chamemos-lhe assim?
Susana do Ó – Houve, de certa forma sim, mas gostava de responder de uma forma diferente. Não é pelo cliché, mas todos me marcaram, ainda que eu não me lembre das caras deles ou dos nomes, mas lembro-me do traço, do pormenor a que me chamaram a atenção, a forma como me falaram e me transmitiram a arte deles, a forma como me deram conhecimento.
A&c – Embora tu já fosses particularmente recetiva a isso, mais do que às outras disciplinas…
S.Ó – Sim, claro, era do que eu gostava, as outras fazia-as porque tinha que fazer.
Sabe que não nasceu com o dom artístico, mas nasceu com alma de artista e trabalhou e trabalha para conquistar o dom. Muitas horas de trabalho, de procura de novas técnicas, de tentativa de inovação, uma descoberta da arte e das formas de se relacionar com ela.
Frequentou a universidade aos 34 anos em Design na Lusófona, mas não terminou, as várias contingências da vida impediram-na de conseguir sozinha continuar. Mas considera que ganhou algumas ferramentas para enriquecer toda a sua vertente artística.
O pai facultou-lhe um espaço onde fez um estúdio, comprou barro e foi onde começou a criar as suas primeiras esculturas.
A&c – Quando eras adolescente imaginavas que a tua vida viria a ser como é?
S.Ó – De maneira nenhuma.
A&c – E desejarias que viesse a ser assim?
S.Ó – Não pensava muito nisso.
Aos dezoito anos trabalhou numa galeria de arte nas Amoreiras que vendia ao público. Os proprietários sabendo que ela era criadora e tinha já bastantes obras de criação própria, consentiram em que a Susana vendesse na galeria também as suas obras. Como não fazia questão de dizer aos clientes que era a criadora, acabava por receber um feedback sincero e livre de preconceitos, por parte daqueles.
Trabalhou depois como administrativa durante vários anos, e após a última empresa ter fechado ficou imobilizada durante um mês e meio devido a um acidente grave de viação. Foi, apesar de tudo, confessa, um tempo útil de produção de esculturas pequenas, mas assim que se pôde mexer, ainda que pouco, agarrou-se de novo ao barro e produziu em três meses cerca de sessenta peças, após o que surgiu uma oportunidade de abrir uma loja nas Galerias do Alto do Lagoal em Caxias. E a Susana abriu mesmo.
Foi a sua primeira galeria, e como não podia ainda comprar uma mufla, pagava a um atelier que lhe cozia as peças e lhe cobrava por unidade.
À medida que ia vendendo ia tendo contacto com outros artistas o que lhe valeu a venda de diversas obras, nomeadamente telas e serigrafias de Beatrice Bulteau.
A&c – No teu dia a dia na juventude conviveste com artistas?
S.Ó – Não
A&c – Tens artistas de qualquer área na tua família?
S.Ó – O meu pai é um Naif e faz umas pinturas fantásticas em óleo e acrílico sobre tela, mas perfeitamente naif, mas sim, ele tem um bocadinho de alma de artista. Na minha família adquirida, o meu marido tem coração de artista nas mais diversas áreas e fá-lo como hobby, e há o Carlos Dias, um primo que faz retratos a carvão absolutamente divinais! Em alguns serões falamos sempre um pouco das artes que nos rodeiam.
Entretanto comprou a sua primeira casa num negócio em que o vendedor a aliciou a aceitar o aluguer de um atelier, em conjunto com a casa, o que “nem de propósito” e assim aconteceu, comprou uma casa e alugou um atelier 1998.
Começou então a fazer esculturas de grande dimensão nomeadamente para entrada de edifícios de empresas e escritórios. Nesta altura, começou a ser complicado ter tempo para estar na loja e criar, mas era difícil encontrar alguém com perfil para a loja – com conhecimentos artísticos entre outras coisas.
Mas isto foi no tempo pré-crise em que tinha cerca de sessenta lojas a vender os seus trabalhos. Como não queria produzir “em série”, mas queria responder às solicitações todas (após uma prospeção de mercado verificou haver pouca oferta em produtos para homem) criou as suas cabeças de cavalo em fundo de ardósia, um projeto que teve que levar “a braço” por não ter tido investidores nem apoios de qualquer espécie. Para encontrar a ardósia que queria e a preços aceitáveis correu minas desde Valongo até Espanha.
O projeto teve um sucesso enorme e como a maioria dos projetos da Susana, gerou alguma rejeição no início, mas acabou por redundar em mais um triunfo. Considera que a arte é boa e fundamental nas nossas vidas porque faz bem, seja como apreciadores, ou colecionadores, toda a gente deveria ter arte em casa, uma obra qualquer, um móvel, uma escultura, um quadro…
A&c – Defines-te como escultora?
S.Ó – Eu defino-me como artista.
A&c – Pintas?
S.Ó – Pinto murais, paredes (risos) a uma escala de grandes dimensões. Faço trabalhos mais artísticos ou menos, no sentido de se tratar de uma fotografia ou de uma reprodução, ou uma criação.
A&c – E pintura em tela?
S.Ó – Já pintei várias telas, mas neste momento prefiro ter uma base, por exemplo em pladur que irá resultar num quadro final em que ponho uma moldura ou não, do que propriamente uma tela comum.
A&c – E escrever?
S.Ó – Escrevo. Agora temos o Facebook e eu gosto de partilhar pensamentos que tenho, em relação a acontecimentos que presencio, que tive conhecimento, pessoas que conheço, ou coisas do mundo em que eu vivo quem me incomodam ou me agradam, mas já tive que por avisos para não confundirem o que eu digo comigo.
A&c – E outras artes?
S.Ó – Fiz duas peças de teatro como cenógrafa.
A&c – E leituras?
S.Ó – Tirando livros técnicos da minha arte e História da Arte, no tempo que me sobra do dia a dia vou lendo casualmente.
A&c – Uma pergunta que eu faço repetidamente a criativos: achas que sempre que um artista cria algo, é uma obra de arte?
S.Ó – Eu acho que o artista pode até considerar isso, é muito difícil colocar limites ao critério, mas mesmo sendo relativo, não tem que ser.
A&c – Então tu não achas que sempre que fazes uma escultura o resultado é uma obra de arte.
S.Ó – Nem sempre é, pode ser só uma tentativa. Independentemente do trabalho que um artista esteja a ter uma obra de arte só o é quando está terminada, se a meio do processo o artista decidir que não era aquilo que queria e a destruir ou transformar, então era um projeto. Só é obra de arte depois de concluída, por isso é que eu destruo muitos trabalhos começados.
A&c – Qual é para ti a diferença entre arte e artesanato? E falo em artesanato em termos latos, popular…
S.Ó – Eu acho que ninguém sabe onde é que termina o artesanato e começa a arte, mas eu acho que passa pelo ter ou não criatividade, havendo um critério eu diria que tem que ter 80% de criação. Se não tiver criatividade não é arte. Até pode ser uma cópia de algo que já existe, mas se eu na construção der um cunho meu nem que seja no manuseamento dos materiais ou em pequenas alterações da forma, já é arte.
Orgulha-se de ter peças por todo o mundo, ou porque as transportou, ou porque vendeu a turistas, e mesmo empresas de vários países.
Fascina-a o nu, principalmente o feminino, e a maternidade e aprecia igualmente as linhas, a robustez e elegância do cavalo.
Fez formações de azulejaria pagou aulas privadas no seu próprio ateliê, mas valeu-se mais do empenho e da “curva da experiência” do que da formação propriamente dita; das longas noites a trabalhar (ainda sem filhos); levantar-se às 3 ou 4 da manhã para ir desligar as muflas…
Começou a ter alguma notoriedade local, junto da Câmara – foi ainda convidada pela BTL para representar e mostrar os artistas da cidade – e finalmente começou a expor pelo país inteiro, nomeadamente em feiras, o que não sendo o seu ideal, lhe permitia marcar presença e entrar neste mundo. Encarava-o como uma passagem que reconhecia ser importante, já que ao produzir no local conseguia ter outra visão do meio em que se movia.
Conta que em determinada altura, estava a pintar um quadro ao vivo, com o objetivo de criar alguma dinâmica com o público e teve uma reminiscência de uma viagem a Espanha com o pai aos sete anos, em que ao ver os artistas de rua sonhava um dia vir a ser como eles, ser pintora e trabalhar com as pessoas a vê-la.
Entretanto chegou a crise e uma larguíssima quantidade de lojas de artesanato encerrou.
“Eu deixei de vender, e apesar dos meus preços serem acessíveis, um artista não pode estar sempre em saldo.”
Começou a dar aulas de Pintura de Azulejos e Cerâmica e criou um projeto pessoal chamado “Juventude tradição e arte” para jovens dos 9 aos 16 anos em formação intensiva durante três meses. Hoje vê que algumas das suas alunas têm sucesso cá e também no estrangeiro, nomeadamente uma designer gráfica outra na moda e gosta de pensar que a formação que lhes facultou as ajudou nesse caminho.
Foi convidada pelo jornal A Tribuna de Loures e Odivelas para fazer um grafismo sobre os saloios, de duas em duas semanas, o que fez com permanente crítica social e aos meandros da política. Como gostaram, convidaram-na para fazer crítica social escrita, o que passou a fazer também de duas em duas semanas alternadamente com os desenhos. Na sua crónica aproveitava para promover artistas, e promoveu até estudantes.
A&c – És muito espiritual.
S.Ó – Sou pragmática, mas acredito que toda a nossa riqueza venha através do espirito.
A&c – Gostavas que os teus filhos viessem a ser artistas?
S.Ó – Não.
A&c – E achas que algum deles pode vir a ser?
S.Ó – Não vão viver da arte, eu espero que não, pelas dificuldades, pela luta, pelo trabalho constante sem resultados imediatos, espero que eles venham a ter uma vida mais calma. No entanto o mais pequenino (2 anos) tem uma forma de estar ligada às artes, à música sobretudo. Porque ainda é muito cedo para ele ter influência direta da mãe, ou do pai e tem uma predisposição natural que é mais de alma do que prática. Ainda é muito cedo, ele ainda não apresenta nada que se possa avaliar no sentido artístico, mas acho que tem muita alma pela forma como se expressa. O pai como hobby também pinta e ele gosta de ver o pai pintar e como ainda não tem idade para absorver essa influência diretamente, tem que ser dele.
A&c – Consideras-te uma pessoa diferente, quando olhas à tua volta?
S.Ó – Considero.
A&c – E gostas?
S.Ó – Não sei, às vezes ser diferente é não ser aceite. Isto não é uma queixa, porque as pessoas que se envolvem comigo, os
familiares, os amigos, aceitam-me como eu sou. Um destes dias encontrei duas amigas, uma delas, da escola primária e cumprimentos para cá, simpatias para lá, uma delas dizia à outra “ela sempre revelou ser diferente, ela já na altura era muito à frente” e eu achei graça. Não sei muito bem o que é que isso quer dizer, aceito com carinho, mas ainda não percebi se gosto ou não.
A&c – Como é que tu te vês daqui a dez anos?
S.Ó – Eu não faço projetos a dez anos.
A&c – Mas imagina. Imagina que estás a ver um filme da tua vida, o que é que estás a ver?
S.Ó – O que eu imagino do meu futuro é estar bem com a minha família, viver da arte, e poder continuar a ter esta alma e acreditar que a arte faz bem a toda a gente.
A&c – Se agora aparecesse aqui um expositor que te convidasse para ir expor a Nova Iorque, qual era a primeira coisa que dizias?
S.Ó – Tenho que começar já a trabalhar.
A&c – E se um cliente te pedisse agora um cavalo em tamanho real, o que dizias?
S.Ó – Temos que fazer o projeto.
A&c – Não lhe perguntavas sequer para onde é?
S.Ó – Não, a minha ambição passa sobretudo pelo trabalho, não pela exposição, que sendo agradável, é um bocadinho a resposta, o feedback dos outros, mas se compram é porque acreditam no meu trabalho, porque é bom, porque é diferente. Por alguma coisa positiva de certeza. Agora se o vai por no jardim dele ou se o vai levar para Nova Iorque para exposição, são outras questões que terei que verificar depois para a questão da estrutura. Que materiais vou usar, que patine leva, se leva algum revestimento para ficar ao ar, mas isso já vem no final do projeto.
A&c – Diz-me um escultor que tenha um significado especial para ti.
S.Ó – Bottero [Fernando]. Não tem nada a ver com as minhas linhas, mas sempre gostei muito dele.
A&c – E um pintor.
S.Ó – Gosto muito de Van Gogh. Sempre o admirei, pela técnica, pela expressão. As minhas opiniões neste sentido têm sempre a ver com a prática artística, do resultado artístico. Gosto também muito do Andy Warhol.
A&c – Se tivesse poder para durante um dia mandares nisto o que é que fazias pela arte?
S.Ó – Acho que tem que haver espaços, ateliers para os artistas criarem. Os artistas não têm possibilidades de custear encargos altíssimos que têm sem saberem se vão vender uma peça. Isso não iria mudar as mentalidades dos portugueses, mas dava asas à criação, era o nascer de qualquer coisa. Por complemento a essas medidas, era dar acesso a espaços para exposição com o apoio da comunicação social, não é investir tudo nas Joanas de Vasconcelos.
A&c – Achas que um artista deve ser interventivo politicamente.
S.Ó – Sim acho que sim, mas não através da arte. Os artistas são pessoas sensíveis e há artistas com muito valor e até com conhecimentos académicos que lhe permitem chegar à política e serem interventivos para mudar as mentalidades. Cada um de nós não leva só o conhecimento artístico, leva o pensamento.
A & c – Tens projetos novos em curso?
S.Ó – Neste momento tenho um projeto muito giro em que ontem (há 2 meses) a primeira encomenda foi para a rua. Tenho um sócio designer gráfico, e eu a criadora de autor.
Criei uma página porque era para avançar sozinha e andei a informar-me acerca das startups para iniciar e percebi que era fundamental ter parceiros, uma vez que não tenho todas as valências e porque sozinha não mudo o mundo nem faço uma casa. É a “SÓ pra Ti” e estou muito animada. É uma marca com várias linhas daí temos o Só pra ti, Só pra nós, Só pra ele, Só pra ela… crio logotipos, imagens de autor em banda desenhada para aplicar em T’Shirts, brindes, balões de diálogo para eventos, realizo em película de vinil alguns dos meus trabalhos nas paredes, para tornar acessível, fazemos decorações personalizadas, decoração de lojas, montras, logotipos, cartazes, imagens para, eventos…
Foi convidada para trabalhar em duas escolas nas AECs e numa altura em que havia numa escola falta de um professor, convidaram-na a candidatar-se o que fez nos últimos 7 anos no agrupamento Sta Maria dos Olivais e Piscinas.
Gosta muito do ensino, gosta de lidar com crianças e vê-los absorver um bocadinho da sua paixão e a adquirirem a sensibilidade artística que levam para a vida, independentemente de virem a ser artistas, ou não.
Atualmente trabalha no departamento de Comunicação de uma Produtora de Cinema e Audiovisuais.
A&c – Portanto entre as tuas criações artísticas que consegues vender, este teu projeto Só pra Ti e a empresa de produção cinematográfica, tu vives envolvida em arte.
S.Ó – Sim, tudo o que me rodeia tem a ver com arte. Não consigo despir este fato, não consigo deixar de pensar em arte, de falar sobre arte.
A&c – E achas que é possível vires a viver apenas da tua arte?
S.Ó – Acredito e trabalho para isso. Eu sou uma crente pela vida e acredito no Homem, na nossa capacidade, também acredito em Deus, de uma forma muito peculiar, esta força tem que vir daí.
A&c – Gostas da vida que tens?
S.Ó – Gosto. A luta, as adversidades tornam-me uma pessoa melhor, mais trabalhadora, gosto. Apesar dos senãos gosto, mas que eu dissesse aos meus alunos “sejam artistas”, não. Não é um conselho que eu dê a ninguém.
A&c – Mas se visses um com essa tendência o que fazias?
S.Ó – Tentava prepará-lo para a realidade.
A&c – O que acreditas ter transmitido às crianças na tua profissão e até no teu dia a dia?
S.Ó – Como mãe e professora gostaria de incentivar familiares e amigos a fomentarem nas crianças uma visão um pouco mais artística em expressão plástica, dramática ou musical, para que desta forma elas possam sonhar, serem mais felizes e sensíveis ao mundo de hoje…
Façam desenhos com as nuvens, brinquem com as cores, mímica, dança…etc. A escola serve como complemento a uma estrutura familiar. Sejam como forem… “cá entre nós” cada um faz o seu melhor!
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E antes de nos despedirmos, a Susana na sua própria admiração pelo mundo artístico, citou de Edgar Allan Poe, “A ciência ainda não nos demonstrou se a loucura é ou não o mais sublime da inteligência.”
Jornalista, Diretor. Licenciado em Estudos Artísticos. Escreve poesia e conto, pinta com quase tudo e divaga sobre as artes. É um diletante irrecuperável.