Verdade, mentira ou consequência?
O que vale a confissão de uma série de crimes, entre os quais um homicídio, feita 23 anos depois, ou seja com os crimes prescritos perante a justiça?
“A verdade não tem prazo” diz a personagem de Maria Emília Correia, que como todos os outros não tem nome. São a Senhora, o Senhor Diretor, o Senhor Doutor, (o político, conhecido como “o Intangível”), a filha, o senhor Doutor (ao telefone), o Jornalista, os repórteres, a secretária atiradiça e o senhor Inspetor…, num país qualquer civilizado imaginado, nos nossos dias – que até poderia ser o nosso.
Um ex-ministro resolve confessar-se coautor e denunciar os restantes, de uma série de crimes – desde o desvio de dinheiros públicos, suborno, falsificação, até ao assassinato mandado de um jornalista, – cometidos há muitos anos, por ele e por uma série de outras pessoas, que por falta de provas foram absolvidos em tribunal.
O protagonista (Rui Mendes) portador dos documentos de prova, dos quais e segundo ele próprio apenas ele um amigo já falecido, têm conhecimento, tomou esta decisão após longa reflexão, diz, e porque “o homem que sou se quer ver livre do homem que fui”. Decide fazê-lo, mas de uma forma dramática, diante das câmaras de televisão em direto, para o que contacta o diretor de um canal (Paulo Pires) a quem resume o que pretende confessar, mas ao qual pede promessa de sigilo. Mas o sigilo rapidamente foi comprometido. A verdade, é que “a Verdade” só tem prazo para a justiça, porque um segredo desta extensão revelado ao fim de muitos anos pode, ainda assim, provocar temíveis e temidas ondas de choque. A manipulação, os jogos de interesses, a importância dos media no nosso “conhecimento” da realidade e as diversas instâncias da verdade, são jogadas com imensa destreza por Raul Malaquias Marques no texto que deu à peça o Grande Prémio do Teatro Português em 2014. Com excelentes interpretações, Ao Vivo e em Directo, corre para o inesperado – que acontece ao vivo e em direto – e continua a adensar-se em jogos furtivos e ocultos de poder e manipulação. A peça tem excelentes dramaturgia e encenação, entregues a Fernando Heitor, num palco de uma fantástica elasticidade em que as cenas mudam de ambiente como numa sucessão de quadros ou de páginas a um ritmo vivo.
No fim, só há uma verdade. Só?…
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Um final cuidadosamente abrupto obriga-nos a encerrarmos nós próprios a história com um fim que afinal está lá, … ou não está?
De Raúl Malaquias Marques Encenação e Dramaturgia de Fernando Heitor Cenário de Eurico Lopes Figurinos de Dino Alves Desenho de Luz e Vídeo de José Álvaro Correia com: Maria Emília Correia, Rui Mendes, Paulo Pires, Ana Lopes, Dina Félix da Costa, Emanuel Rodrigues, Francisco Pestana, Tiago Costa, Vítor de Andrade
Jornalista, Diretor. Licenciado em Estudos Artísticos. Escreve poesia e conto, pinta com quase tudo e divaga sobre as artes. É um diletante irrecuperável.
