
Primeiro como Tragédia depois como Farsa0 (0)
8 de Março, 2016
Quando falamos de Romantismo, falamos do período histórico que vai de meados do séc. XVIII ao final do séc. XIX. Como todas as periodizações, são construções artificiais, dá-se importância a umas coisas e menos a outras. Sabemos isto, como sabemos que uma época existe para além das suas balizas definidas, como ecos, vestígios de uma coisa que existiu mas que permanece. Como nos fala a longa duração, conceito importante dos historiadores da Nova História.
A esse respeito a cultura pop está cheia desses exemplos ‘como torradas’ para citar o filme de Stanley Kubrick The Shining, cena em que o trabalhador do ‘Overlooked Hotel’ explica à criança o que é o shining e ao espectador chega a notícia que aquele será um filme sobre perigos não vistos, apenas intuídos, aliás o filme vive desse romantismo enquanto obra de arte.
Nada, claro, neste conceito tem que ver com o romantismo amoroso, este apenas é a apropriação contemporânea daquele, versão kitsch da aura metafísica que os românticos oitocentistas nos deixaram.
Este ideal de além-vida esteve presente na cultura, na literatura e nas artes em geral. E foram, precisamente, as artes que se organizaram de forma mais e menos alinhadas com o romantismo, simultaneamente. Inglaterra berço do industrialismo, também berço do movimento contra a industrialização, como o romantismo fora também contra o iluminismo. Pretendente à união com a natureza, a vida, as pessoas, tudo estaria ligado, em que a ciência podia muito bem ser a chave para este equilíbrio. Assim vemos surgir as academias especializadas, os institutos e as instituições como níveis apreciadores do que valeria a pena saber, a própria palavra instituição existe ainda e goza de boa saúde, para significar qualquer ideia ou conceito que se destaca.
Longe da história-total, também na literatura vimos este caminho ser percorrido, em Portugal, sem surpresa, a sua influência surgiu mais tarde e alterado conforme a própria especificidade do país, como de resto acontece habitualmente.
Dificilmente catalogáveis, espécimes híbridos temos os sofredores honestos da
angustia do existir, como Camilo Castelo Branco, e Almeida Garrett, dandy assumido, aspirante à grande literatura de proporções mise-en-abîme e Alexandre O’Neill o romântico tardio. Este último visto pela perspetiva do sobressalto da existência mundana que com um golpe de vista original vai construindo a imagem do mundo, do labirinto poético do que é existir. Mas O’Neill não distinguia a literatura da poesia, para o autor, a visão é que sendo poética infetava a realidade, e não é isto que os românticos queriam? E por que razão haveria um romântico no século XX português da Lisboa pobre? Uma realidade banal que é invadida por algo demasiado estranho para que se acreditar que possa ser vulgar, é já esta literatura um símile do realismo mágico?
E onde devemos colocar a literatura comercializada para ser lida como obra de contornos românticos, mas que em si, nada mais é que uma sublimação da obra industrializada que nos fala Walter Benjamin?
Bryan, o cão humanizado da série norte-americana Family Guy escreve um livro como resposta aos desejos do leitor médio que segundo ele não desejam nada e constrói um sucesso de tal forma grande que o esmaga na medida que põe em causa a sua honestidade poética, ideal do Romantismo apropriado precisamente pelas indústrias da cultura.
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Estará, portanto, hoje o Romantismo nos fumos da união do artista com a realidade, jogo de trapezistas condenados à queda e à ruga, como nos fala o conto de Kafka?
Será o Homem contemporâneo a farsa do Romantismo?