Conversamos com três elementos da equipa que escreveu, produziu e realizou o LUX, uma curta-metragem obra de um grupo de finalistas do curso de Cinema da Universidade Lusófona e que venceu ex aequo com o Turp, o prémio Over & Out para o Melhor Filme de 2015, instituído pela universidade.
Com a produtora Mariana Mendes, o realizador Bernardo Lopes e o responsável pelo som e pelo tema musical Henrique Silva falamos sobre o filme sobre cinema e sobre eles. São jovens e alegres, bem-dispostos e de alma cheia. É visível o orgulho no resultado, fruto de um trabalho realmente em equipa, – garantem – com abertura às ideias e à participação de todos. Também é indisfarçável o entusiasmo e a confiança. Veem criado um grupo de trabalho coeso e que é para manter. Estão otimistas porque estão de consciência tranquila – e porque não haveriam de estar? Têm uma ética de trabalho positiva, asseguram: o importante é fazer.
O LUX conta a história de Pedro, um escritor a atravessar uma crise de criatividade e que descobre por acidente um processo doméstico, inexplicável e inexplicado, de produção de lâmpadas. Esta atividade fenomenal a que os amigos acorrem, preenche temporariamente o vazio criativo e mesmo social do Pedro.
Artes & contextos – Como é que isto começou?
Mariana Mendes – A Universidade lançou o desafio de realizar no conjunto de todas as disciplinas, e como projeto final de curso uma curta-metragem inspirada em contos populares. Deram-nos uma lista de contos e a partir de um deles o Bernardo teve a ideia do LUX. Foi escrevendo e desenvolvendo o texto e quando foi o pitching final, em janeiro a história do Bernardo foi escolhida. Nós entretanto já tínhamos a equipa mais ou menos definida com os chefes de departamento e por isso foi só escolherem os assistentes com quem gostariam de trabalhar e começou tudo a ser orientado.
A Mariana tirou o curso de Técnico de Gestão Equina, na EPDRA em Abrantes para ser Monitora de Equitação. Quando descobriu que “não era aquilo”, inscreveu-se Curso de Especialização Tecnológica em Desenvolvimento de Produtos Multimédia, no IADE, mas mesmo assim sentiu que lhe faltava algo e quando descobriu a possibilidade de ir para a Licenciatura de Cinema, Vídeo e Comunicação Multimédia, embarcou e foi quando finalmente descobriu o seu caminho.
E os pais? “Assim que as aulas começaram e viram que eu estava entusiasmada, não houve quaisquer reticências”.
A&c – E como é que surgiu esta história para o LUX, é original?
Bernardo Lopes – Enquanto percorria os contos que nos deram para escolher na universidade, apareceu-me um muito pequeno chamado A Aranha e o Buraco da Fechadura do Leonardo Da Vinci. Trata-se de uma aranha que vive numa porta, no buraco da fechadura e que para comer vai fazendo uma teia aqui outra ali voltando sempre para dentro do buraco. Contudo, esquece-se que há uma chave que pertence àquela fechadura e uma vez a chave entrou no buraco e expulsou-a. O que eu achei aqui interessante foi haver um personagem a viver escondido no seu espaço, sem querer de lá sair e ambicionando manipular o seu espaço. Um personagem, um único espaço e esse conflito, ele versus o mundo. Foi isso que eu achei interessante. E com estas premissas inspirei-me em adaptar isto para uma história igualmente muito breve e sucinta.
O Bernardo desde muito cedo sabia que queria seguir cinema ou ter uma profissão que estivesse diretamente ligada às artes. Racionalmente e a pensar no futuro seguiu a área de Ciências e Tecnologias no secundário, mas percebeu que queria mesmo cinema – “senti-me na obrigação de aprender mais sobre a técnica de se fazer filmes” – diz. Surgiu o curso de Cinema, Vídeo e Comunicação Multimédia na Lusófona e foi a sua opção, sem hesitar.
Quanto à família: “Sempre apoiou muito a minha decisão, visto que foi prematura e expressada afincadamente desde muito cedo.”
A&c – Todas as quatro obras finalistas se realizaram?
M.M. – Todas as quatro se realizaram.
A&c – Assim que souberam que a vossa foi escolhida, foi formar a equipa e por mãos à obra…
M.M – Sim, no dia 6 de janeiro foi o pitching final e nós no dia 7, assim que soubemos o resultado começamos a definir tudo.
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A&c – Começando pelo orçamento. Como é que é feito o orçamento de um projeto universitário?
M.M. – Calculamos quantos dias de rodagem iriam ser necessários, quantas pessoas teríamos que alimentar por dia e fizemos uma estimativa. Procurámos empresas, e conseguimos uma que nos fez 30% de desconto com a entrega de refeições completas; tivemos que alugar uma casa, e por isso foi necessário que cada elemento da equipa desse uma pequena contribuição para os gastos; No fim tínhamos um saldo positivo, isto é, quando apresentámos o orçamento à Universidade já tínhamos o dinheiro.
A&c – E qual foi a participação da Lusófona nesse orçamento?
M.M. – A Universidade dá-nos uma verba para as curtas finais em parceria com o ICA – Instituto do Cinema e do Audiovisual. Todas as despesas têm de ser justificadas e têm que ter o contribuinte da Universidade, só assim poderão ser aceites. Esta verba não nos é dada no início do projeto, mas sim depois de este estar concluído. Desta forma, obriga os alunos a procurarem meios e condições para conseguirem poder avançar com a obra.
A&c – Vocês não vão ganhar nada com o filme, mas ao mesmo tempo é o filme que vos vai mostrar, ou seja esperam que ele seja visto e apreciado e que o seu retorno seja a vossa projeção…
B.L. – Vai ser um cartão-de-visita, mas vai haver um paralelismo, porque nós também queremos que o filme fale por si só, porque nós revemo-nos nele.
A&c – Como escolheram o protagonista, o ator Sérgio Moura Afonso, já o conheciam, é vosso amigo?
B.L. –Nós não o conhecíamos, conhecíamos o trabalho dele, mas ele tinha o aspeto que nós queríamos e quando fazemos este pitching, temos que apresentar nomes dos atores mesmo que ainda não tenhamos falado com eles.
A&c – Podias ter dado o Pierce Brosnan ou o Antony Hopkins…
B.L. – Até podia. Podia como forma de mostrar como seria o ator ideal para o papel. Os professores ficavam assim a saber quem eu via no papel, percebiam a minha ideia.
A&c – Funcionaria como uma projeção do vosso personagem…
M.M. – Sim. Mais à frente teríamos que apresentar mesmo o ator que iria fazer o papel, mas para a apresentação podíamos fazer isso.
B.L. – No início tínhamos três atores que imaginávamos no papel e o Sérgio era um deles. O que foi engraçado porque concordávamos que era o que mais víamos naquele papel e nenhum de nós o conhecia, nunca tínhamos falado com ele.
Os atores que participam nos trabalhos da Lusófona, não são pagos, vão apenas pela boa vontade. Têm a contrapartida que é a participação em cinema, que se mais não for dá curriculum.
A&c – A equipa é composta exclusivamente por estudantes?
M.M. – Sim, têm que ser da universidade, não são aceites pessoas de fora.
A&c – Algum de vós tinha experiência anterior?
B.L. – Eu já tinha realizado, ou melhor em simultâneo com o LUX realizei um documentário. Mas todos temos alguma experiência ao longo do curso, interna ou externamente e na nossa área específica ou não.
Henrique Silva – Em termos de som esta foi a primeira curta que a equipa fez. Já tinha tido algumas pequenas experiências anteriores em pequenos anúncios publicitários feitos pela Lusófona, mas esta foi a nossa primeira experiência áudio visual. Já tive experiências em mistura, captação, mas em áudio visual, não.
O Henrique começou no Instituto Superior Técnico com engenharia informática, e depois passou para Engenharia Eletrotécnica. O desinteresse e o consequente insucesso aproximaram-no mais da música, paixão de sempre. Embora reticentes, os pais ajudaram-no a mudar de rumo, afinal deram-lhe a conhecer as grandes referências musicais e artísticas, diz, e influenciado por um amigo que frequentava Ciências e Tecnologias do Som (CTS), na Lusófona, percebeu que era o que fazia mais sentido e optou por este curso.
Quanto aos pais: “Com as provas que fui dando, mostrando sempre dedicação, trabalho e paixão por aquilo que fui e vou fazendo, eles aperceberam-se que eu estava no rumo certo.”
A&c – Nunca tinham trabalhado juntos?
H.S. – Eu, equipa de som não, nunca tinha trabalhado com eles, aliás este foi o primeiro ano em que o curso de Som se juntou ao curso de Cinema para fazer um filme. Nós já há muito que queríamos trabalhar em cinema, mas nunca tínhamos tido essa oportunidade. Falamos com os diretores dos cursos de Cinema e de Som, e foi uma pequena luta interna, mas conseguimos. E no final, segundo as suas opiniões até correu muito bem e é para continuar.
A&c – … E trabalharam sempre todos, foi tudo em equipa?
B.L. – Sim cada um dava a sua ideia e todas eram consideradas.
H.S. – Exatamente, não há Ronaldos no LUX. Não há o tecnicista da camara que ele é que sabe, não há o gajo muito bom nisto ou naquilo…
B.L. – Quer dizer, não há Ronaldos, mas há trinta Messis.
H.S. – Sim foi um trabalho de equipa que deu muito gozo. Viu-se como é trabalho em equipa. Nós passávamos muito tempo em estúdio, eles vinham ter connosco ao nosso estúdio, nós íamos ao estúdio de montagem, sempre a discutir.
B.L. – Durante a montagem eles [som] já lá estavam, quando nós decidíamos fazer um corte eles ficavam a perceber porque é que aquele corte ia ser feito.
H.S. – Nós perguntávamos porque não era feito um bocadinho antes, assim como eles sugeriam e apresentavam ideias para o som. Houve sempre esta discussão da ideia até chegarmos a isto.
A&c – Sentem, como se diz que quando se tira a carta, que é a conduzir depois que mais se aprende?
B.L. – Felizmente, ao longo do curso, já nos foi dada a oportunidade de “conduzir” várias vezes. Acreditamos é que vai começar agora a solidificação daquilo que queremos transmitir e criar com o cinema.
A&c – Ok, depois do filme concluído e entregue o que veio a seguir?
A seguir e no imediato conquistaram o título de Melhor Filme de 2015, no Over & Out, uma espécie de festival interno da Lusófona, onde anualmente são apresentados todos os trabalhos finais dos alunos.
É um evento de três dias, em que o primeiro dia é dedicado aos documentários, e para o primeiro e segundo anos, apresentado no Teatro Turim; o segundo dia consta de uma exposição de multimédia, fotografia, etc., no Museu da Cidade, e o terceiro realiza-se na sala Manoel de Oliveira do Cinema S. Jorge onde se apresentam as curtas finais e se distribuem os prémios.
Tendo o LUX conquistado o primeiro lugar a universidade garante uma distribuição por festivais universitários e por todos aqueles eventos com os quais tem ligação. Contudo a
B.L. –… Tratamos de organizar um circuito de festivais, ou seja, escolhemos os festivais para onde queremos enviar o filme quando e que dinheiro vamos precisar para isso.
A&c – Festivais independentes, festivais ligados a escolas,…?
B.L. – Mais ainda. Graças à produção, nós ficamos com bastante dinheiro para festivais. Nós já tínhamos isso previsto no orçamento e não precisamos de usar esse dinheiro para a produção do filme. Conseguimos produzir o filme com o dinheiro que tínhamos planeado. Então já enviamos para Sundance, para South by Southwest, para séries A de festivais em que o mais importante foi o envio, isto é, é muito complicado e não podemos estar à espera de muito, mas é muito interessante enviar, participar. Enviamos também para vários série B, entre os quais o Festival de Glasgow para o qual fomos escolhidos e é importante, nem que seja para apalpar o terreno, para perceber como é que isto funciona.
O que se tornou ainda mais interessante foi termos conseguido algo muito concreto em termos de distribuição. O que tentamos foi conseguir uma forma de exibir o LUX por Portugal. Inspiramo-nos no circuito que o João Botelho fez com o Filme do Desassossego, em que ele percebeu que tinha realizado mais dinheiro com o DVD do que nos cinemas. Afinal o circuito em que estava era o circuito Lusomundo, estava a “competir” com oito filmes americanos. Então tratou de arranjar um circuito alternativo. Baseou-se nos cineteatros espalhados pelo país, que nunca funcionaram como cinemas, foram sempre teatros, comprou um projetor e começou a percorrer os cineteatros a projetar o filme. Com isto, fez dele um dos filmes mais rentáveis de sempre. Normalmente as longas-metragens portuguesas têm 2000 a 2700 projeções, ele fez 148000. Em face destes números pensamos, “porque é que não fazemos uma coisa assim?”. Não vamos ganhar dinheiro com o filme, mas temos aqui duas perspetivas muito interessantes que são: podermos mostrar o filme por todo o país e pela primeira vez uma equipa de jovens de vinte e tal anos tem audiência em cinema. Então apresentamos a proposta, fizemos um protocolo com a universidade e assim foi. Vamos começar em maio, já temos seis cineteatros confirmados e faltam doze/treze.
A&c – Qual é o mercado de uma curta-metragem? Ou melhor, como é que se vende uma curta-metragem?
B.L. – Ou se vende da forma que nós estamos a tentar, que é uma ideia ainda piloto, – vamos ver como é que corre – ou como apresentação de uma longa, este é um mercado de que as curtas vivem muito. Há o caso do Luminita do André Marques que viveu disto. Foi realizado na Roménia e foi a curta de apresentação de uma longa da Roménia. Além disto, só em festivais.
A&c – O LUX foi totalmente rodado em película, o que é uma coisa fantástica.
B.L. – Obrigado à Lusófona por nos ter permitido e financiado isto assim.
A&c – Pois, atualmente com o digital tanto faz filmar uma hora como dez, mas com a película não é bem assim.
B.L.- Com a película é noite e dia, para todos, som etc. Com o digital podemos fazer quarenta ou cinquenta takes, com a película temos que fazer contas. Aqui a média foi de dois a três takes por plano, por isso o som sabia que tinha que gravar bem em três takes, nós sabíamos que tínhamos que filmar em três takes e os atores sabiam que a cena tinha que ficar boa em três takes. Fica muito interessante. Quando dizemos ação!, não é o mesmo que quando dizemos ação em digital, é outra ação, é muito mais exigente. Tem que estar tudo coordenado ao milímetro e ao segundo.
A&c – Quantas horas tiveram de rodagem.
M.M.- Mais ou menos dez horas por dia. Foram quatro dias, mas no último acabámos muito mais cedo que o previsto.
A&c – Já pensaram em produções para a Web, como o Netflix, que está a chegar a Portugal?
M.M. – É uma opção totalmente em aberto e, muito provavelmente, vai ser o nosso futuro do mundo audiovisual. No ano passado, no nosso curso, fizemos um projeto transversal com o objetivo de criar uma webserie. As narrativas são trabalhadas de outra forma assim como a realização ou a produção. Temos um professor que dizia que se víssemos uma webserie no telemóvel não poderíamos usar planos gerais porque nunca se sabia, por exemplo, se a personagem está a matar alguém ou a falar ao telefone. A televisão mudou e nós, na nossa área, temos que mudar também e aceitar que a internet é uma revolução. E a vinda da Netflix para Portugal, assim como outros serviços de streaming, vai aumentar cada vez mais esse público.
O LUX fala-nos de solidão. Pedro enfrenta, fechado no seu apartamento, uma crise de criatividade. A claustrofobia contagia o espectador através de grandes planos em 4:3, centrados em tom pastel, quase gradativos. A sobreposição e anulação de planos através de sombras e desfocagem, mergulhados num silêncio que se ouve em todos os incidentes sonoros do ambiente sombrio, induzem uma virtualidade ou uma realidade difusa e implosiva. Sem explicação (ou a explicação é essa) começam a cair lâmpadas sem se saber de onde, até se tornar uma produção massiva. O “aparecimento” das lâmpadas conduz-nos semioticamente tanto à inspiração como à imponderabilidade e volatilidade do momento criativo. Subitamente a casa está cheia de pessoas que não passam de “figuras” e que preenchem um espaço onde apenas Pedro parece não estar presente. Uma música minimal sustenta ocasionalmente o passar do tempo. O processo estranho de produção de lâmpadas termina como começara, subitamente e sem explicação. A casa fica de novo vazia, o Pedro continua só…
A&c – O Pedro está sozinho, mesmo quando tem a casa cheia de gente, ele está sozinho.
B.L.- Exatamente a ideia a passar é mesmo essa.
A&c – Há uma cena muito interessante em que o Pedro está lá fora na varanda, depois, como que se houvesse um flashback, ele está cá dentro e a seguir vê-se a varanda de novo e ele está lá.
B.L. – Isso foi o maior risco que nós corremos. Quando idealizamos o LUX, vimo-lo muito mais linear do que aquilo em que se tornou.
Quando vimos o filme todo a primeira vez que se pôs o resultado só em fila, achamos que havia muita margem de risco,… para uma montagem um bocado mais à Eisenstein, um bocado mais expressionista. O que achamos mais interessante nesse corte, foi o estarmos com o Pedro, usarmos o cair de umas lâmpadas como o início de um despertar, para irmos lá para fora onde o Pedro está com o Jorge que lhe pergunta o que se passa, voltamos para dentro, ele está sozinho e a seguir aparece o Jorge. Depois voltamos e este corte com o cair das lâmpadas já faz sentido.
A&c – Vocês esperam que a leitura do filme seja feita de forma linear, isto é, que seja visto de uma forma redonda e minimalista o que está a acontecer, ou que os espectadores projetem o filme para outras dimensões?
B.L. – Aquela primeira observação que fizeste quando viste o filme na exibição da Universidade, é uma coisa que nos tem sido dito por outras pessoas, que numa primeira visualização podemos ver aqui uma coisa muito simples, mas depois tudo se começa a desenvolver… isto vem de encontro ao que nós queríamos. Ok já é um filme, uma história, uma narrativa, mas não chega, porque gostaríamos que se dissesse “espera lá, tenho que ver isto outra vez”, porque acho que há muita informação que para ser absorvida tem que ser revista. Foi tudo muito detalhado o filme foi feito como quadros que fomos pintando com o tempo. Mas não quisemos ser pretensiosos, não quisemos montar uma grande coisa para mostrar uma coisa muito pequenina, não há elefantes, há uma linguagem e tentamos que essa linguagem fosse coerente sem exageros nem enfeites.
A&c – Quando me dizias que o processo começou de uma forma simples e depois foi crescendo acabando por atingir alguma complexidade. O que é que essa complexidade trouxe ao projeto, o que é que ele ganhou à simplicidade inicial?
B.L. – Para começar, a forma como baralhou a equipa. Embora parecesse desde o início um processo muito simples, foi muito difícil nos pitchings as pessoas visualizarem isto a funcionar. Apresentarmos um filme com um sítio de onde estão a cair lâmpadas que ninguém percebe onde é, e esperar que as pessoas apostem nisto é um bocado complicado. Nós não estamos a mexer com o real, mas queremos mostrar isto real, que é o que eu acho que é no fundo uma das forças do filme, nós nunca desacreditamos do que estamos a ver.
A&c – É um bocado o brincar com o absurdo.
B.L. – É exatamente, é brincar com o absurdo mostrado como realismo. Quando isto se tornou mais complexo, que foi logo nas rodagens, nós entramos numa espécie de evolução, uma evolução natural. Onde se sentiu mais esse choque foi na edição. Fizemos 18 planos que são o total e sempre foi o planeado e foi aí que entrou alguma complexidade. O filme foi, para mim e para a Inês a sítios que nós nunca tínhamos pensado, quando entrou o som, então a dimensão que se tinha atingido na imagem foi ainda mais aprofundada.
A&c – Que referências posso procurar no LUX?
B.L. – Referências do LUX, o Ida, principalmente na composição, e
não na narrativa. E teve inspiração consciente. Dreyer (Carl Theodor) e Fritz Lang.
A&c – Um realizador de quem gostes particularmente.
B.L. – Português, Miguel Gomes, americano Terrence Malick, ou Jarmush e na Europa há muitos, muitos realizadores bons, bem como na Ásia,… no Irão há cinema muito bom.
É certo que cada vez vão menos pessoas ao cinema, mas o cinema está como Portugal, isto é, a classe média está a desaparecer. Está a diminuir o grupo de pessoas que procura o mainstream, o comercial e está a aumentar o número de pessoas que procura o independente, acho que o independente não tem perdido público, é menos público, mas é um público fiel, mantém-se.
A&c – O tema musical é minimalista, aliás como não podia deixar de ser. Como é que ele apareceu?
H.S. – Eu já tinha feito um tema para o LUX depois de ler o guião, mas depois de filmado, vi que não era nada daquilo, ainda estava muito rebuscado e eu percebi que tinha mesmo que ser minimalista, tinha que ir ao mais simples possível. Nasceu, depois de muitas noites a sós com a guitarra a ouvir coisas e depois de ver o filme muitas vezes, muitas horas,… foi complicado chegar a um conceito sonoro e a uma música para este filme, mas quando finalmente percebi e tive o clique, que foi ao ouvir a voz-off inicial do telefonema, que tudo aconteceu. Foi naquela altura que eu vi, “já percebi, é isto, vão-se embora que eu tenho que trabalhar”. A partir daí começaram a surgir muitas coisas, mais surreais e já “parecia” o LUX.
A&c – Já tinhas este tipo de experiência? Já tinhas feito música para alguma coisa?
H.S. – Já tinha feito música para publicidade.
A&c – Quais são as tuas referências?
H.S. – Em música para cinema não tenho muitas, mas adoro a música do Tabu (de: Miguel Gomes), que é da Joana Sá e é também minimalista, só com piano enquanto o Miguel Gomes diz aquele poema. Também acho que o LUX é muito poético, tem muitas metáforas e conscientemente não, mas inconscientemente, provavelmente isso inspirou-me, acho que esta música acompanha bem a narrativa poética do filme. Outra inspiração é do brasileiro Baden Powell um grande guitarrista clássico e popular brasileiro, de quem eu gosto muito. Gosto muito do tom da música dele e sinto que ele me inspira há bastante tempo.
A&c – Quando chega ao fim, uma leitura possível, sendo que o primeiro erro é tentar explicar o filme dentro do racional quando a vossa ideia é explorar o absurdo, mas uma leitura fácil seria considerar que tudo aquilo tenha sido a sua imaginação.
B.L.- Isso é o fácil e o mais comum, que nós tentamos evitar. Houve pessoas que nos abordaram que pensaram que se tratava de um sonho, mas numa das últimas sequências quando ele acorda, vê-se a secretária vazia, e que a sala está igual, as lâm
padas estão lá, aquilo aconteceu.
A&c – No fim, tudo aquilo passou, já nada é como era e ele vai começar a escrever.
B.L. – Exato. Passou aquele processo todo e finalmente vai escrever, mas afinal isso era o que menos interessava.
A&c – Porque é que o cinema português não tem projeção internacional?
B.L. – O cinema português, num público específico, tem imensa projeção internacional. Vejamos casos como o do Manuel de Oliveira, Pedro Costa, Miguel Gomes, entre outros. No circuito comercial é que o cinema português não consegue competir com a indústria americana por razões óbvias. Não há mercado nem dinheiro para conseguir apresentar produtos com a qualidade dos deles. Como diria um professor nosso, “os americanos fazem melhor”. Logo, não deveríamos apostar nesse sentido. Devemos ter em conta a nossa realidade, a nossa história, a nossa sociedade e tudo o que ela representa. Devemos retratar aquilo que nos é próximo e deixarmos de fazer imitações (medíocres) daquilo que é feito lá fora. Só assim é que o cinema português fará as pazes com o público nacional e internacional.
Têm planos para um novo projeto transartes. Pretendem produzir uma curta-metragem que será um capítulo de um livro, e uma música que será a banda sonora da curta-metragem. Em conjunto terão um e o mesmo nome, serão em simultâneo uma só obra com a interligação das três, mas cada uma delas poderá ser fruída independentemente e sem necessidade das outras para funcionar como obra. Elas complementar-se-ão, mas cada uma dispensa as outras.
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O LUX teve no World of Film: International Festival Glasgow, a 2 de outubro a estreia europeia e já foi enviado para mais de trinta outros festivais. Vai ser estreado em Lisboa e vai percorrer todos os distritos do país com o objetivo de chegar também a diversas escolas secundárias.
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Jornalista, Diretor. Licenciado em Estudos Artísticos. Escreve poesia e conto, pinta com quase tudo e divaga sobre as artes. É um diletante irrecuperável.
