Em 2012 os fundamentalistas Islâmicos capturaram Timbuktu, uma cidade cruzamento de línguas, o francês o árabe o inglês, o bambara e outras regionais (no filme falam-se seis idiomas) e culturas, a africana com um pé na islâmica, influenciada pelas europeias e árabes e o filme foi rodado nesta altura e neste ambiente. Timbuktu fica no Mali na África Ocidental, no extremo do Saara e é um antigo foco de erudição religiosa
O realizador Abderrahmane Sissako, é muçulmano da vizinha Mauritânia, e leva-nos a viver a realidade das populações tomadas pelos jihadistas lembrando-nos que enquanto no ocidente nos preocupamos com o próximo local longínquo a ser destruído, o drama do dia-a-dia, a violência, a repressão, o ódio, a humilhação e a morte são vividos pelas pessoas locais, a maioria das quais são muçulmanos.
Os jihadistas percorrem a cidade anunciando através do megafone que a sharia (lei islâmica) está em vigor, o que significa que é proibida a música, fumar, jogar futebol, mesmo a brincar, e as mulheres (habituadas às cores vivas habituais na África Ocidental), são obrigadas a cobrir cada centímetro de pele e a usar meias e luvas sob o calor subsaariano.
Mas é impossível controlar a liberdade da imaginação e numa cena fantástica assiste-se a um grupo de jovens que joga futebol sem bola, que lhes foi confiscada pela “autoridades”. Eles apenas imaginam que a têm e jogam como se tivessem.
Um pouco à margem de tudo isto Kidane (Ibrahim Ahmed) e a sua família, Satima (Toulou Kiki), a filha Toya (Layla Walet Mohamed), e Issan (Mehdi A.G. Mohamed), um pastor órfão que trata das suas oito vacas, vivem numa tenda montada numa duna fora da cidade, como os seus antepassados. Os seus vizinhos fugiram ou morreram quando os jihadistas chegaram, mas Kidane não cedeu. Continua a sua vida pastoral, tem um telemóvel e toca guitarra à noite sob as estrelas, enquanto Satima e Toya se movem livremente, sem sentir o peso dos trajes impostos pela Sharia.
O filme tem apontamentos de humor, como por exemplo, quando uma troca de palavras entre um jihadista e locais se desenrola em vários idiomas, sendo várias vezes traduzidas para que aquele se consiga fazer entender, ou quando um Imã corre um grupo de jihadistas da mesquita para que ele e os outros possam rezar em paz, lembrando-lhes que o seu comportamento tem mais a ver com poder do que com religião e asseverando-lhes que a Jihad, tem a ver com a elevação moral e não com o domínio pela força. Ou o grotesco de jihadistas a falarem das qualidades de jogadores de futebol, sendo o futebol proibido pelas suas fundamentalistas leis.
Um militar líbio a fumar às escondidas revelam-nos se calhar a fragilidade moral sobre a qual assentam os fundamentalismos e apesar de tudo, Sissako poupa o espectador a violência gratuita e desnecessária, mas subentendida. Vemos dois cidadãos enterrados até ao pescoço, condenados ao apedrejamento até à morte, mas não vemos a execução
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A vida pacífica da família de Kidane, vai ser assombrada por um desencadear trágico de eventos envolvendo as suas vacas e um desenrolar de mal entendidos, que terminarão na condenação do patriarca à morte.
Embora a violência e a barbárie sejam permanentemente adivinhadas e presentes é mais à violência emocional que o realizador se dedica, num filme profundamente humanista onde se percebe um apelo contra a intolerância religiosa. Uma história e uma série de apontamentos que gritando a plenos pulmões demonstram que a ideologia fundamentalista cega e surda não tem nada de religioso nem de muçulmano, e que a ameaça e o sofrimento, são muito maiores para aqueles povos do que para os ocidentais.
Jornalista, Diretor. Licenciado em Estudos Artísticos. Escreve poesia e conto, pinta com quase tudo e divaga sobre as artes. É um diletante irrecuperável.