A segunda longa metragem de Mélanie Laurent, lançada para o estrelato no papel de Shosanna, a judia em Sacanas sem Lei, (2009) de Tarantino, envolve-nos num drama tenso e emotivo daqueles que nos levam a tomar partido.
Respira conta a história de uma amizade levada à obsessão e que conduz a uma relação emocionalmente sado masoquista entre as duas jovens adolescentes, Charlène conhecida como Charlie (Joséphine Japy) e Sarah, (Lou De Laage) e adivinhada nas palavras do professor de filosofia de ambas que parafraseando Nitzche diz no início que “a paixão é nociva no momento em que se torna excessiva”.
Uma nova aluna é apresentada na turma de Charlie, uma jovem frágil, introvertida, mas integrada no seu grupo de amigos, onde se sente segura; Sarah senta-se ao seu lado e vem a revelar-se o oposto de Charlie, é segura e popular, com espírito de líder e com a imagem de alguém que Charlie gostaria de ser. Tornam-se amigas rapidamente e rapidamente Charlie se fascina e endeusa Sarah.
Este fascínio que de início parecia partilhado vem com o desenrolar da narrativa, dar lugar a um desequilíbrio dramático. A amizade que entre as duas se desenvolve aproxima-se da paixão, mas Sarah revela-se uma jovem perturbada e infeliz que escolheu Charlie para esconjurar os seus fantasmas e que escolheu perversamente amá-la e destruí-la. Charlie tem uma família disfuncional com uma mãe passiva e submissa, que se mostra incapaz de acompanhar o seu crescimento e um pai ausente e indiferente que negligencia a família até que a abandona. Sarah usa e abusa da vulnerabilidade de Charlie que ao mesmo tempo que tenta perceber o que se passa, se revela incapaz de fugir da sua obsessão, e num processo de auto anulação, a aceita.
Charlie nota que enquanto abre a Sarah a sua vida, os seus problemas e as suas amarguras, esta nada lhe confidencia. Sarah vai crescendo em poder, o poder pernicioso do conhecimento íntimo num só sentido, vai jogando com a fragilidade e submissão da amiga, que não tem força para reagir e fugir e se afunda naquele esquema maldoso, degradando a sua vida social e destruindo a sua auto estima. Sarah afasta-se e aproxima-se, usando novas amizades, abandonando-a por vezes a uma solidão crescente, provocada pela dedicação exclusiva e obsessiva à, agora, sua única companhia.
Numa noite de copos a mais as duas simulam uma cena romântica entre um casal em que Sarah assume o papel masculino e após beijar Charlie nos lábios, afasta-se e dá-lhe um forte estalo na cara que nos leva a pensar numa homossexualidade recalcada e não aceite.
A tensão atinge o ponto alto quando Sarah descobre a origem do comportamento maléfico de Charlie. Em vez de reagir e aproveitar a vantagem para virar o jogo a seu favor, submete-se ainda mais apiedando-se, e Sarah revoltada aproveita mais uma vez a sua fraqueza e castiga-a aumentando o grau de humilhação que lhe inflige. O ressentimento cresce e a amizade fica irremediavelmente ferida.
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Com movimentos de câmara a levar-nos para dentro das cenas, a realizadora usa close-ups muito fortes dando intensidade e intimidade a alguns momentos. O ambiente musical é apropriado e o final embora plausível peca talvez por alguma previsibilidade.
O nome do filme Respira reporta-nos às crises de asma recorrentes de Charlie tão sufocantes como a obsessão partilhada, cada uma com as suas motivações, e com o cerco impiedoso e manipulador de Sarah em seu torno.
Jornalista, Diretor. Licenciado em Estudos Artísticos. Escreve poesia e conto, pinta com quase tudo e divaga sobre as artes. É um diletante irrecuperável.