
Agostinho da Silva0 (0)
26 de Março, 2015
Agostinho da Silva foi um homem notável.
Foi um viajante, estudioso e sobretudo, ao contrário da ideia vulgar do filósofo meramente mental, contemplador, e escritor, foi um homem de ação. Filósofo, poeta, professor e pedagogo, filólogo, biógrafo, historiador, ensaísta, novelista, crítico literário, tradutor; empenhou-se na divulgação cultural e científica; Interessaram-lhe e estudou a história de Portugal, a filosofia, a etnologia, a ecologia, os estudos africanos, estudos orientais, a biologia marítima, dedicou-se à investigação nas áreas da Zoologia, da Entomologia e da Parasitologia etc.
Nasceu a 13 de fevereiro de 1906 na freguesia da Campanhã, no Porto e teve duas irmãs, uma das quais apenas viveu 18 meses, e oito filhos de dois casamentos.
Fez todo o seu percurso de estudante com distinção começando com os 20 valores da primária na Escola de São Nicolau, continuando na Escola Industrial Mouzinho da Silveira, e depois no Liceu Rodrigues de Freitas até à licenciatura com 20 valores e ao doutoramento com “Louvor”. No liceu, teve um leque de excelentes professores que recordava, dos quais se destacava mas não só, Leonardo Coimbra, filósofo e “encaminhador” de muitos jovens da sua geração e que mais tarde viria a encontrar na Seara Nova. Da formação que então recebeu tirou rapidamente partido e aos dezasseis anos ensinava português aos ingleses que residiam na cidade, ligados à produção e comércio do Vinho do Porto.
Em 1928 licenciou-se em Filologia Clássica e no ano a seguir assistiu revoltado, à extinção da Faculdade de Letras do Porto por um decreto que impunha em todas as localidades onde existisse mais do que uma escola que houvesse separação dos sexos nos edifícios escolares. Nesse ano ainda lecionou no Liceu Alexandre Herculano como Professor Provisório, mas no ano seguinte partiu para Lisboa onde viria a casar com a sua primeira mulher e onde realizou estágio para Professor na Escola Normal Superior que sem surpresa concluiu com 20 valores. Em 1931 e a cargo da Junta Nacional de Educação fundou, em Lisboa, o Centro de Estudos de Filologia, que viria a transformar-se mais tarde no Centro de Linguística da Universidade Clássica de Lisboa.
Durante a frequência universitária, foi líder estudantil, proferiu conferências publicou no Porto Académico, Ideia Nacional e Comércio, colaborou e chegou a dirigir a revista monárquica da Associação de Estudantes Acção Académica. Ainda escreveu para A Águia a revista da “Renascença Portuguesa” artigos sobre Filosofia e Literatura, e mais tarde colaborou também na revista Seara Nova onde encontrou Teixeira de Pascoaes, António Sérgio, Raul Proença e Jaime Cortesão e reencontrou Leonardo Coimbra.
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A mesma Junta Nacional de Educação atribuiu-lhe ainda nesse ano de 1931 uma bolsa que o levou à Sorbonne em Paris, – a primeira das suas várias emigrações – onde fez uma pós-graduação com uma tese sobre Montaigne e ainda passou pelo Collège de France, onde estudou história e literatura francesa. Ainda nesta cidade encontrou-se com António Sérgio, Jaime Cortesão e Jacinto Simões, ali exilados.
Em 1933 regressou a Portugal para sofrer a sua primeira desventura originada pelo seu espírito livre. Após ter sido colocado, como professor no Liceu José Estêvão em Aveiro foi mais tarde demitido por se ter recusado a assinar a que era conhecida como “Lei Cabral” ( Lei n.º 1901 de 1935 de 21 de Maio). A lei apresentada pelo deputado José Cabral visava ilegalizar e extinguir as sociedades secretas nomeadamente a Maçonaria e a Carbonária e os funcionários públicos eram obrigados a assinar uma declaração em como não pertenciam a nenhuma sociedade secreta. Agostinho da Silva afirmou mais tarde que de facto não pertencia, mas dado que em consciência era-lhe impossível assumir em absoluta certeza o que viria a fazer ou deixar de fazer no futuro, a sua dignidade impedia-o de assinar tal compromisso. Ainda em 1935, convidado pelo insigne Professor Joaquim de Carvalho vai para o Centro de Estudos Históricos de Madrid como bolseiro da Junta de Relaciones Exteriores espanhol, onde desenvolveu um estudo sobre A Mística Espanhola.
Na eminência da Guerra Civil espanhola, regressa a Portugal em 1936 para conseguir, a convite, um contrato de trabalho no Colégio Infante de Sagres uma instituição particular onde conviveu com o filósofo “hegeliano” Orlando Vitorino.
Foi por esta altura que colaborou com a revista Seara Nova (1935-1938), onde lançou um projeto de biografias pedagógicas, além de alguns textos sobre o desenvolvimento cultural e educativo do país que bastante incomodaram o regime.
Em 1937 encetou um projeto de irradiação educativa e cultural pelo país e com isto afrontou mais uma vez o Estado Novo no seu programa educativo. Para isso escreveu, editou e distribuiu cerca de 130 Cadernos de Informação Cultural até 1943.
Em 1944, foi considerado herege pela igreja após a publicação, no mesmo âmbito de O Cristianismo (1943). Não só os cristãos nem os ateus se reviam nas suas ideias heterodoxas, como também era olhado com suspeita tanto pela direita como pela esquerda, e também por esta altura já tinha sobre si uma vigilância apertada por parte do regime. Acabou por ser detido e encarcerado no Aljube a 24 de junho de 1943 onde permaneceu durante 18 dias tendo a sua biblioteca sido confiscada. Depois de libertado foi forçado a um termo de residência fixa que cumpriu na sua casa na Praia da Rocha, no Algarve.
Triste e desolado decidiu sair do país e partiu rumo ao Brasil.
No Brasil
Fixou-se em São Paulo em 1944. Nos dois anos seguintes, ainda passa pelo Uruguai onde lecionou História e Filosofia em escolas livres de Montevideu e pela Argentina onde aceitou o convite da Escola de Estudos Superiores de Buenos Aires para organizar cursos de Pedagogia Moderna.
Regressado ao Brasil, iniciou uma obra ou um conjunto notável de obras em prol da cultura e do ensino. Naturalizou-se cidadão brasileiro 1958, mas entretanto circulou sempre em atividade por: Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Pernambuco, Cachoeira, Salvador tendo lecionado nas universidades de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, e na Faculdade Fluminense de Filosofia. Fundou e integrou a Comissão Instaladora da Universidade de Brasília onde criou o Centro de Estudos Portugueses; fundou a Universidade Federal de Santa Catarina, e a Universidade Federal de Paraíba onde lecionou História Antiga e Geografia Física; ensinou Filosofia do Teatro na Universidade da Bahia, fundou o Instituto Oswaldo Cruz dedicado ao estudo de entomologia), colaborou com Jaime Cortesão, na Biblioteca Nacional, no estudo sobre Alexandre Gusmão, participou ainda juntamente com este na organização da Exposição do 4º Centenário da Cidade de São Paulo e foi empossado diretor de Cultura do Estado de Santa Catarina. Criou o Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO), tornou-se assessor para a política externa do Presidente Jânio Quadros, trabalhou na Direcção-geral do Ensino Superior do Ministério da Educação, fundou a Casa Paulo Dias Adorno em Cachoeira e foi também aí eleito membro da Academia Internacional de Cultura Portuguesa.
Em 1963, com o estatuto de Equiparado a Bolseiro da UNESCO, esteve no Japão tendo dado aulas de português em Tóquio, onde ainda fundou o Instituto de Língua e Cultura Portuguesa. Visitou ainda Macau, Timor-Leste onde fundou os Centros de Estudos Ruy Cinatti e de Estudos Brasileiros, ambos em Díli e ainda passou pelos EUA e pelo Senegal.

Regressou a Portugal em 1969, após a morte de Salazar com esperança de mudança. Regressou ao ensino superior onde foi integrado como Professor Titular das Universidades Federais do Brasil, aposentado.
Esteve ainda na direção do Centro de Estudos Latino-americanos da Universidade Técnica de Lisboa, e foi consultor do Instituto Cultura e Língua Portuguesa (ICALP).
Manteve ligações com as províncias espanholas da Galiza (onde existe a Casa Agostinho da Silva), em projetos relacionados com a divulgação e promoção da língua portuguesa, e da Catalunha.
Tornou-se visível com a participação no programa da RTP1 «Conversas Vadias» em que um “velhote” de 80 anos, com uma lucidez invejável, conversava todas as semanas, durante 13 semanas, com uma personalidade diferente sobre os mais variados assuntos atuais e não só, de uma forma aberta, descomprometida e muitas vezes divertida.
Foi um humanista, o Homem e a liberdade foram a sua vida, deixou cerca de 60 obras escritas, entre as quis biografias de homens como Francisco de Assis, Miguel Ângelo, Zola, Pasteur, da Vinci e Franklin. Foi acima de tudo um divulgador e promotor da cultura portuguesa. Falava 15 línguas e acreditava que Portugal tinha uma missão no mundo e “uma ideia a difundir” como “um reino de compreensão e de cooperação”, um pouco na esteira do “Quinto Império” de Pessoa e Pe. António Vieira. Também acreditava, como Pessoa, que o lugar da língua portuguesa é a pátria de todos nós, independentemente do nome dado ao local onde ela é falada e que o futuro de Portugal é através da sua cultura assegurado por todos aqueles que falam a língua portuguesa. Acredita-se que a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) nasceu das suas ideias sobre esta ligação.
Devoto do Espírito Santo e totalmente desapegado das coisas materiais vivia num franciscanismo próprio. Deitava-se às nove da noite e dormia cinco a seis horas. Lamentava a falta de respeito pelo trabalho intelectual, numa sociedade onde para se ganhar dinheiro não é preciso trabalhar muito.
Queria que os Portugueses
“Queria que os portugueses
tivessem senso de humor
e não vissem como génio
todo aquele que é doutor
sobretudo se é o próprio
que se afirma como tal
só porque sabendo ler
o que lê entende mal
todos os que são formados
deviam ter que fazer
exame de analfabeto
para provar que sem ler
teriam sido capazes
de constituir cultura
por tudo que a vida ensina
e mais do que livro dura
e tem certeza de sol
mesmo que a noite se instale
visto que ser-se o que se é
muito mais que saber vale
até para aproveitar-se
das dúvidas da razão
que a si própria se devia
olhar pura opinião
que hoje é uma manhã outra
e talvez depois terceira
sendo que o mundo sucede
sempre de nova maneira
alfabetizar cuidado
não me ponham tudo em culto
dos que não citar francês
consideram puro insulto
se a nação analfabeta
derrubou filosofia
e no jeito aristotélico
o que certo parecia
deixem-na ser o que seja
em todo o tempo futuro
talvez encontre sozinha
o mais além que procuro.”
Agostinho da Silva, in ‘Poemas’
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Jornalista, Diretor. Licenciado em Estudos Artísticos. Escreve poesia e conto, pinta com quase tudo e divaga sobre as artes. É um diletante irrecuperável.